quinta-feira, 24 de junho de 2010

Poema do Silêncio



Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.

Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!

Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.

Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!

Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.

Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...

Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.


José Régio

1 comentário:

Anónimo disse...

Hoje tentei encontrar o silêncio

Procurei-o no ar insípido da madrugada, no limiar trágico do entardecer, no entorpecimento noctívago das ruas

Nas grutas subaquáticas,nos troncos ocos das árvores,nos vácuos da atmosfera

No final de um disco de vinil,nos bolsos virados do avesso,sob a asfixia das almofadas

Debaixo da língua,por detrás dos olhos,na raiz dos cabelos

Todos pensam que o consegui encontrar

Também eu cheguei a pensá-lo, durante um terço de um segundo

Tanto quanto me demorei a aperceber que a quietude da minha envolvência não penetrava o véu glacial que cobria o meu núcleo efervescente

Tão vivo e ruidoso

Tão ruidoso

Ramificado em vozes altas e músicas completas e idiomas inventados

E longas curtas-metragens que da memória fazem película

Que se repetem e repetem sem parar

(ah se os outros soubessem... ah se eu própria soubesse...)

Mas há-de chegar o dia em que terei o poder de abreviar tudo num seco murmúrio

Nessa altura poderei ressuscitar as horas mortas e nidificar no falso conforto de um quase-silêncio

(NF)