sábado, 14 de fevereiro de 2015

Tu tens um medo




Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo. 
Que te renovas todo o dia. 
No amor. 
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Cecilia Meireles

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015



Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca

sábado, 17 de janeiro de 2015




penso na morte
mas sei que continuarei vivo no epicentro das flores
no abdómen ensanguentado doutros-corpos-meus
na concha húmida de tua boca em cima de números mágicos
anunciando o ciclo das águas e o estado do tempo...

... a memória dos dias resiste no olhar de um retrato
continuo só
e sinto o peso do sorriso que não me cabe no rosto
improviso um voo de alma sem rumo mas nada me consola...

é imprevista a meteorologia das paixões...
... pássaros minerais afastam-se suspensos
vislumbro um corpo de chuva cintilando na areia...

até que tudo ser perde na sombra da noite… além
junto à salgada pele de longínquos ventos




Al Berto