quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Da minha aldeia...

Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo... 
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer 
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura... 
Nas cidades a vida é mais pequena 
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro. 

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave, 
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu, 
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar, 
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver. 

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema VII" 

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Doubts...

"Doubts the light of stars,
the sun has heat,
doubt even the truth,
but trust in my love..."

William Shakespeare, Hamlet ☮️☯️❤️

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Desço a rua...

Desço a rua
contando as mariposas suicidas
pontapeando as caricas
testemunhas de alegrias
ou tristezas de outrora
faço agora parte da noite
e meu rosto
é apenas exposto
pelos candieiros sentinelas das esquinas
denunciando-me a insónia
sou a aberração da calçada
húmida pela carícia do orvalho
vale-me a lua
cúmplice desta minha
longa e louca
procura por ti...

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Esta noite...

Esta noite viestes visitar-me,
Trazias os olhos inundados
pela monção interminável,
O doce tímido pólen
de uma primavera esquiva,
Nunca estivemos
tão perto...

Mas tudo se esvai pela manhã...

terça-feira, 5 de junho de 2018

Procuro-te...

"Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime,
procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre
procuro-te.

Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Ah meu amigo...

ah meu amigo
estou definitivamente só
estou preparado para o grande isolamento da noite
para o eterno anonimato da morte
mas perdi o medo
a loucura assola-me
preparo a última viagem às Índias imaginadas
disseram-me que só ali se pode descansar da vida
e da morte.......

Al Berto in "O Medo"

domingo, 29 de abril de 2018

Minha tribo...

....minha tribo partiu,
em busca de prados de abundância,
e eu,
nas crinas da solidão,
penso ainda fazer de ti,
uma dança de esperança.....

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Os Amigos

no regresso encontrei aqueles 
que haviam estendido o sedento corpo 
sobre infindáveis areias 

tinham os gestos lentos das feras amansadas 
e o mar iluminava-lhes as máscaras 
esculpidas pelo dedo errante da noite 

prendiam sóis nos cabelos entrançados 
lentamente 
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei 
depois 
a solidão transformou-os de novo em dor 
e nenhum quis pernoitar na respiração 
do lume 

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar 
a flor que murcha no estremecer da luz 
levei-os comigo 
até onde o perfume insensato de um poema 
os transmudou em remota e resignada ausência 

Al Berto, in 'Sete Poemas do Regresso de Lázaro' 

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Amanhã

amanhã,
já não serão os amores a forma perfeita de amar,
nem os amantes a forma perfeita de beijar, mas sim a apneia serena do mar no deslumbrante ciclo das aves.......☮️☯️❤️

sexta-feira, 6 de abril de 2018

De palavra em palavra

De palavra em palavra
a noite sobe
aos ramos mais altos

e canta
o êxtase do dia.

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 21 de março de 2018

Quando

Quando


Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta 
Continuará o jardim, o céu e o mar, 
E como hoje igualmente hão-de bailar 
As quatro estações à minha porta. 

Outros em Abril passarão no pomar 
Em que eu tantas vezes passei, 
Haverá longos poentes sobre o mar, 
Outros amarão as coisas que eu amei. 

Será o mesmo brilho, a mesma festa, 
Será o mesmo jardim à minha porta, 
E os cabelos doirados da floresta, 
Como se eu não estivesse morta. 

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Dia do Mar' 


domingo, 11 de março de 2018

Ver-te

Ver-te é como ter á minha frente todo o tempo
é tudo serem para mim estradas largas
estradas onde passa o sol poente
é o tempo parar e eu próprio duvidar mas sem pensar
se o tempo existe se existiu alguma vez
e nem mesmo meço a devastação do meu passado......
Ruy Belo

sábado, 17 de fevereiro de 2018

E fui...

a chuva fina que fustigava a clara-boia despertou-me
como que a antecipar a partida
levantei-me ainda trémulo das tentativas de orgasmo
como leves e livres estavam tuas coxas
e enquanto bebia cada kilometro de atacador...
"No te vas.....queda-te aqui......"
"Há coisas que um homem te de fazer...."
e fui...

Je part...

Je part.....
avant que le jour se fasse jour,
avant que le gens soit gens,
avant que la pluie devienne neige,
avant que tu m`oublies........

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Lo, there...

Lo, there I see my father.
Lo, there I see my mother, and my sisters and my brothers.
Lo, there do I see the line of my people, back to the beginning.
Lo, they do call upon me.
They bid me take my place among them in the halls of Valhalla,
Where the brave may live forever.....
(The 13th Warrior)

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Perco-me...

Perco-me em tua procura
mas enquanto ando por lá
perdido,
sou o vagabundo
mais feliz do mundo...

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Porque te perdi...

Porque não soube merecer a glória, a mais suave
de me deitar a teu lado
e que o sangue a palavra
abolisse a diferença entre o meu corpo e a minha voz
porque te perdi
não sei quem sou
António Ramos Rosa

domingo, 7 de janeiro de 2018

Moinhos...

É tempo de acordar os Deuses,
de conquistar os moinhos
que outrora faziam de nós
simples e meros mortais.
Deixa-me segredar-te
a loucura
oriunda desta sede infinita
de liberdade.....