quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Pele


Eu preciso. Mesmo que negue
necessito... do teu abraço, tua pele
teu sorriso, teu olhar, tuas mão nas minhas
me guiando pelas estradas de ruas vazias.
Eu quero. Mesmo que eu não seja perfeita;
você e eu, braços em laços nessa cama estreita.
Quero um gesto, uma palavra que me faça sentir
que essa existência valeu a pena quando eu partir.
E que nossos corpos sejam um único traço
dentro das linhas tortuosas que escrevi.
O nosso amor, nós dois, um laço
Um passo que sem ensaio me atrevi.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
Tão concreta e definida
Como outra coisa qualquer

Como esta pedra cinzenta
Em que me sento e descanso
Como este ribeiro manso
Em serenos sobressaltos

Como estes pinheiros altos
Que em verde e oiro se agitam
Como estas aves que gritam
Em bebedeiras de azul

Eles não sabem que sonho
É vinho, é espuma, é fermento
Bichinho alacre e sedento
De focinho pontiagudo
Em perpétuo movimento

Eles não sabem que o sonho
É tela, é cor, é pincel
Base, fuste ou capitel
Arco em ogiva, vitral,
Pináculo de catedral,
Contraponto, sinfonia,
Máscara grega, magia,
Que é retorta de alquimista

Mapa do mundo distante
Rosa dos ventos, infante
Caravela quinhentista
Que é cabo da boa-esperança

Ouro, canela, marfim
Florete de espadachim
Bastidor, passo de dança
Columbina e arlequim

Passarola voadora
Pára-raios, locomotiva
Barco de proa festiva
Alto-forno, geradora

Cisão do átomo, radar
Ultra-som, televisão
Desembarque em foguetão
Na superfície lunar

Eles não sabem nem sonham
Que o sonho comanda a vida
E que sempre que o homem sonha
O mundo pula e avança
Como bola colorida
Entre as mãos duma criança

Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!…


As rosas nas alamedas,
E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas


Só a triste, coitadinha…
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha …


Eu chego então à janela:
E fico a olhar para a lua…
E fico a chorar com ela! …



Florbela Espanca - Trocando olhares - 23/04/1917

Realidade...



...lá fora

a lua é uma realidade,

aqui...

o frio é saudade,

mendigo

nesse teu corpo nu,

aura de mel,

ventre de sabre

ferida eterna....

manta inútil,

neste aguçado

e mudo

grito por ti.......

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Eu


olhares
sons
sombras
recordações


lugares
cheiros
sabores
sensações


sorrisos
corações
calor
vida

Leve Beijo Triste


Teimoso subi
Ao cimo de mim
E no alto rasgei
As voltas que dei

Sombra de mil sóis em glória
Cobrem todo o vale ao fundo
Dorme meu pequeno mundo

Como um barco vazio
P'las margens do rio
Desce o denso véu lilás
Desce em silêncio e paz
Manso e macio

Deixa que te leve
assim tão leve
Leve e que te beije meu anjo triste
Deixo-te o meu canto canção tão breve
Brando como tu amor pediste

Não fales calei
Assim fiquei
Sombra de mil sóis cansados
Crescendo como dedos finos
A embalar nossos destinos

Deixa que te leve
assim tão leve
Leve e que te beije meu anjo triste
Deixo-te o meu canto canção tão breve
Brando como tu amor pediste

Paulo Gonzo

segunda-feira, 17 de novembro de 2008


"Posso ser leve como uma brisa,
ou forte como uma ventania,
depende de quando,
e como você me vê passar"




"Nem acredites se pensas que te falo:
palavras são meu
jeito mais secreto de calar.”

(Não: não digas nada!)

Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.



Fernando Pessoa - Cancioneiro

sábado, 15 de novembro de 2008

A Invisibilidade de Deus

dizem que em sua boca se realiza a flor
outros afirmam: a sua invisibilidade é aparente
mas nunca toquei deus nesta escama de peixe
onde podemos compreender todos os oceanos
nunca tive a visão de sua bondosa mão

o certo
é que por vezes morremos magros até ao osso
sem amparo e sem deus
apenas um rosto muito belo surge etéreo
na vasta insónia que nos isolou do mundo
e sorri
dizendo que nos amou algumas vezes
mas não é o rosto de deus
nem o teu nem aquele outro
que durante anos permaneceu ausente
e o tempo revelou não ser o meu


Al Berto, in 'Sete Poemas do Regresso de Lázaro'

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O Homem e a Mulher......

.............O homem é a mais elevada das criaturas. A mulher, o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono; para a mulher fez um altar. O trono exalta e o altar santifica.
O homem é o cérebro; a mulher, o coração. O cérebro produz a luz; o coração produz amor. A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o génio; a mulher é o anjo. O génio é imensurável; o anjo é indefenível; A aspiração do homem é a suprema glória; a aspiração da mulher é a virtude extrema; A glória promove a grandeza e a virtude, a divindade.
O homem tem a supremacia; a mulher, a preferência. A supremacia significa a força; a preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher, invencível pelas lágrimas. A razão convence e as lágrimas comovem.
O homem é capaz de todos os heroísmos; a mulher, de todos os martírios. O heroísmo enobrece e o martírio purifica.
O homem pensa e a mulher sonha. Pensar é ter uma larva no cérebro; sonhar é ter na fronte uma auréola.
.......O homem é a águia que voa; a mulher, o rouxinol que canta. Voar é dominar o espaço e cantar é conquistar a alma.......

..............Enfim, o homem está colocado onde termina a terra; a mulher, onde começa o céu............

sábado, 8 de novembro de 2008

Sou um evadido....

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.


Fernando Pessoa






........E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz......







Fernando Pessoa

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Anjo


Se vês estrelas demais
Lembra-te que um sonho não volta atrás
chega perto e diz
Anjo


Se sentes o corpo colar
Solta o teu medo bem devagar
Chega perto e diz
Anjo
Bem mais perto e diz
Anjo


Se uma coisa louca
Sai do teu olhar
Fica em silêncio
Deixa o amor entrar
Pra que tanta pressa de chegar
Se eu sei a forma e o lugar.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

"Todas as ocupações dos homens tendem à posse de alguma coisa; e eles não têm nem título para a possuir justamente, nem força para a possuir com segurança "
Pascal
“É indispensável conhecermo-nos a nós próprios; mesmo se isso não bastasse para encontrarmos a verdade, seria útil, ao menos para regularmos a vida, e nada há de mais justo”
Pascal
...Os escritores raramente escrevem o que pensam. Limitam-se a escrever o que pensam que os outros pensam que eles pensam...
...Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente ....
....Falhamos ao traduzir exactamente o que se sente na nossa alma: o pensamento continua a não poder medir-se com a linguagem....
.....A subtileza do pensamento consiste em descobrir a semelhança das coisas diferentes e a diferença das coisas semelhantes....
....Os sentimentos dos que te são mais próximos constituem a crítica ao conhecimento que tu tens de ti mesmo, tanto em nobreza como em baixeza ....
.............Abandonando nobremente quem nos deixa.................
......... colocamo-nos acima de quem perdemos............