sábado, 14 de fevereiro de 2015

Tu tens um medo




Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo. 
Que te renovas todo o dia. 
No amor. 
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

Cecilia Meireles

1 comentário:

Anónimo disse...

Preciso de uma noite ingénua e embaciada, com vista para o mar.

Uma noite que se vista de pijama e que suba todos os andaimes deste meu ser confuso.

Não te enganes sobre as minhas lágrimas: vale mais que os que amamos partam quando ainda conseguimos chorá-los.

Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe, enfraquecesse a imagem que importa conservar de ti.

Um beijo com reticências é quase uma promessa...

Chega a ser uma vontade de esclarecer que há linhas que ficam propositadamente em branco.

Como quem mergulha nas palavras não salivadas...

Como uma fuga, sem mapa no bolso...

E depois da boémia lá vens tu, sacudir-me a multidão para dentro do peito, numa noite gigantesca que me atravessa a palidez.

Sabes que é no teu vácuo que abro as mãos?

Tenho a certeza de um balão de ar quente na minha memória a insuflar-me a vontade de me perder num relâmpago.

Quero beber-te uma última noite, apenas com um trago. E regar-te os olhos para que a sede nunca te cegue, para que o amor nunca te expulse por mau comportamento.

Vencer a miopia e salvar os murmúrios presos no céu da boca...

Numa colina, num fragmento, num copo de água com gás, tu és sempre a outra margem.

Incansavelmente fugidia...

Vou acender um fogo absoluto nos ombros para depois ganhar asas e queimar distâncias.

Quero a pureza do latido de um cão no patamar dos teus uivos.

Canta à lua, pode ser que eu desça...

Hoje engoli o nevoeiro da manhã e ceguei momentaneamente, com o teu tacto.
É verdade – não há cicatrizes aromáticas nem dores gratuitas.

E se eu fosse buscar-te? E se nessa viagem perdesses os sentidos e não soubesse que te procuro em todos os bandos de pássaros nas tardes de trovoada?

E se eu fosse buscar-te e não regressasse a mim?

Diz-me. Há lugar nas tuas mãos para as minhas?

Por que razão colocamos fasquias nas expectativas?

Hoje pesa-me o sono. Sinto os nós dos dedos hirtos e não é do frio. E custa demasiado que o sono me pese na consciência mas nunca nas pálpebras.


Gosto de esfolar os joelhos porque muitas vezes o caminho mais seguro aniquila escolhas felizes...

Acordei a pensar na minha capacidade de me reinventar...

De ser feliz sem mais nem menos, só porque sim..

De mover montanhas à procura de um arrepio na nuca..

De nunca saciar a sede das borboletas na barriga e gostar disso...

De perceber que tudo o que nos cai do céu irá parar ao chão, e mesmo assim esticar os braços para cima...

De saber que há coisas gratuitas que nos saem caras e outras que não têm preço...

De sentir que há sorrisos, afagos e palavras que não deram à costa. Que ficaram e que nos tatuaram as memórias num mergulho de esplendor.

Ousámos ser. Aconteceste-me.

Teria sido melhor só uma amizade – um passado apagado e sem mácula, sem pecado nem remorso, sem dor e sem esperança.

Ausento-me na sombra da água e mergulho a sede na distância invisível que me separa do teu abraço. Sou abalroada por uma margem que não me deixa resvalar na tua carne.

Trago nos bolsos os sonhos do dia anterior e faço escala nas horas felizes.
Sabe bem perceber que o amor não morre, apenas descansa numa sala de espera.
É bom reencontrar o teu sorriso numa sala de reanimação. E desejar mais bolsos, muitos bolsos.



Éramos só nós dois no apeadeiro dos potenciais milagres. Eu a chegar e tu de saída.

Ainda nos roçámos ao de leve...