terça-feira, 26 de novembro de 2013

Rebanho




esta noite perturbei o rebanho
que se confundia no escuro e na chuva
como pedras fundidas na terra
pelo silêncio dos astros

Agitei o vento,
inquietei os cordeiros

mas

uma ave não voa de noite....


Nimbus

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Quando eu morrer



Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti. 
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis 
que alagámos de beijos quando eram outras horas 
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse 
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa 
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia 
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu 
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa 

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu, 
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado 
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas 
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores 
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara 
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre 
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes 
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me 

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem 
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me 
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos 
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois 
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar 
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando 
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas 
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol, 
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.


Maria do Rosário Pedreira


sábado, 23 de novembro de 2013

Do rio que tudo arrasta - Bertold Brecht




Do rio que tudo arrasta se 
diz que é violento 
Mas ninguém diz violentas as 
margens que o comprimem


Bertold Brecht




sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Clamor - Al Berto




 "enquanto te barbeias 

Vês no espelho o homem 
Cuja solidão atravessou quase cinco décadas e 
Está agora ali a olhar-te - queixando-se da tosse 
Da dor de dentes e do golpe que a lâmina fez 
Num deslize perto da asa do nariz..."

Al Berto in "Clamor"




O Lobo noturno - Mafalda Sanches


"Na floresta dos meus sonhos o lobo aparecia cauteloso
Sabia que eu fugiria perante o mais trémulo movimento
Passo a passo o lobo vagarosamente foi-se aproximando, sempre zeloso
E eu sonhava perdida num mundo de fantasia, quem seria o ser misterioso
E eu acordava confusa sobre porque sonhava com o lobo de pêlo cerdoso
E eu sorria pois o coração de mármore era aos poucos um mero sentimento..."

Mafalda Sanches in "O Lobo nocturno"